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A batalha solitária de um cosmólogo contra a teoria do Big Bang


Postado em 20/Novembro/2019
O portal G1 publicou uma matéria curta, porém interessante, sobre desabafos feitos por James Peebles. Esses comentários feitos pelo Nobel de Física de 2019 vêm como um bálsamo para quem conhece de perto o modelo do Big Bang, que consiste em um sistema de equações que descreve o desenvolvimento do espaço-tempo desde pouco depois de sua criação. Essas equações são uma consequência de leis físicas conhecidas. O título da matéria é sensacionalista e enganoso, mas os comentários do cientista são lúcidos e ao ponto. Peebles não combate a “Teoria do Big Bang”, mas esse nome popular por passar uma ideia completamente falsa do modelo ao qual deveria se referir.
Quase tudo o que as pessoas costumam dizer sobre Big Bang baseia-se em boatos que passam bem longe de refletir o que o modelo realmente diz. O próprio nome popular do modelo ajuda a aumentar a confusão ao transmitir a ideia de que se trata de uma explosão de material que alguma vez esteve concentrado em um ponto do espaço. Além disso, muitos vão além nesse telefone sem fio e imaginam que, de acordo com a “teoria” do Big Bang, essa grande explosão teria criado estrelas, galáxias, planetas e até seres vivos. Nada mais longe da verdade. Apenas alimento para argumentos do espantalho, uma das falácias mais comuns em comentários sobre ciência.
Peebles comenta que lutou contra essa “nomenklatura” mas acabou desistindo. Todos continuam chamando o modelo de “Teoria do Big Bang” e não parece ser possível reverter essa tendência.
Aproveitamos essa oportunidade para, mais uma vez, desmentir conceitos enganosos nessa área. É útil fazer diferença entre modelo e teoria, entre o que o modelo diz e o que ele não diz, bem como alguns prerrequisitos gerais, como a diferença entre uma teoria científica e uma não científica, e ainda o conceito de Matemática usado no processo. Faremos apenas um resumo relâmpago dessas coisas.
Matemática
Impossível definir por ser muito fundamental, mas, de um ponto de vista de consistência lógica, ela necessariamente transcende o mundo natural, inclusive o tempo. Todas as leis da realidade estão contidas na Matemática. Nós inventamos linguagens para lidar com pequenas porções da Matemática, porém, mesmo fazendo isso, percebemos que apenas estamos observamos partes minúsculas de algo infinito.
Ciência
O conceito de ciência proposto na “revolução” científica tem muito pouco a ver com a noção que predomina atualmente. Há uma tendência de chamar de ciência tudo o que se faz na pesquisa em universidades, bem como o conjunto de pessoas que trabalha em qualquer área da pesquisa, assim como as áreas em si. Apesar da irracionalidade de um conceito inconsistente assim, esse tipo de noção subsiste por várias razões, tais como:
Seu papel em elevar o status de alguém ou de uma ideia.
Controle político, isto é, a autoridade que confere a um grupo de pessoas para afirmar o que é verdade ou não com base em uma lista mais ou menos arbitrária, ao invés de regras fundamentais.
Vícios de linguagem.
Facilidade de promover qualquer especulação ao status de “teoria científica”.
Facilidade de negar o status de “teoria científica” a qualquer ideia que não seja aceita em determinado meio social.
O conceito original corresponde mais ou menos ao que hoje chamamos de “hard science” (ciência dura). Trata-se de um conjunto infinito de métodos matemáticos (alguns dos quais a humanidade já conhece) que podem ser aplicados de maneira fundamental, sistemática e coerente a qualquer área da pesquisa. Não que cada método se aplique a tudo, mas existem muitos métodos aplicáveis a cada área do conhecimento.
Estruturas matemáticas
São regiões do conhecimento delimitadas por axiomas bem definidos. Nesse contexto, axiomas são itens de uma definição, nunca verdades autoevidentes, óbvias, fundamentais ou universais.
Um bom exemplo são os axiomas de Euclides na Geometria. Eles delimitam uma parte da Geometria que chamamos de Geometria Euclidiana Bidimensional.
Como os axiomas que definem algo são válidos para o que definem, podemos provar com segurança suas consequências naquele contexto. As afirmações que podem ser provadas como consequência de axiomas chamam-se teoremas.
Podemos combinar diferentes axiomas para definir diferentes estruturas matemáticas. Podemos adicionar axiomas a estruturas existentes para definir estruturas mais específicas, aproveitando todos os teoremas da estrutura original, o que representa grande economia de esforço para os pesquisadores.
Se os axiomas escolhidos forem incompatíveis entre si, a estrutura matemática resultante corresponde ao conjunto vazio, isto é, nada se encaixa em sua definição.
É importante não confundir a natureza da Matemática com o processo humano dinâmico de brincar de montar estruturas matemáticas pela combinação de axiomas. Esse processo é apenas uma estratégia para explorar o infinito território matemático.
Teorias e modelos científicos
São a associação entre uma estrutura matemática e um objeto de estudo. Não precisam referir-se a algo do mundo físico.
Como é possível fazer essa associação? Ao escolher um assunto a ser estudado, precisamos defini-lo. Isso é feito por uma série de cláusulas, isto é, itens de uma definição. Cada cláusula corresponde a um axioma. O conjunto de axiomas corresponde a uma estrutura matemática.
Colocando-se dessa forma, parece fácil e até inevitável construir teorias científicas. Mas, para ser científica, uma teoria deve fazer essa associação explicitamente, de maneira a permitir conferir sua consistência (se não há axiomas conflitantes), sua precisão, sua exatidão, aproveitamento de teoremas da estrutura matemática e assim por diante.
Um grande bônus gerado pelo uso de teorias e modelos científicos consiste em que, uma vez feita a associação entre uma estrutura matemática e um objeto de estudo, teoremas da estrutura matemática frequentemente nos revelam aspectos não imaginados do objeto de estudo, muitas vezes contrários a crenças e expectativas dos pesquisadores. Essas são as descobertas teóricas.
Muitas descobertas teóricas têm ocorrido quando se aplica essa metodologia científica. Exemplos: spin, antimatéria, regras de seleção de orbitais eletrônicos, “princípio” da incerteza, “princípio” da exclusão, buracos negros, ondas gravitacionais, entrelaçamento quântico, tunelamento quântico, curvatura do espaço-tempo, quarks, dilatação do tempo, contração do espaço, big bang e muitas outras coisas. O interessante é que essas descobertas teóricas vão sendo confirmadas uma a uma com o tempo, mesmo em seus detalhes finos.
No caso do spin e das regras de seleção, por exemplo, já havia evidência experimental, mas nenhuma explicação para sua existência até a descoberta da associação de uma estrutura matemática com o mundo quântico que revelou que essas coisas decorrem de teoremas relativamente simples. Em muitos outros casos, ninguém suspeitava de certo fenômeno, até alguém se deparar com um teorema e perceber seu significado físico.
Essa é a forma mais profunda de conhecimento intelectual que existe.
Teoria científica jamais deve ser confundida com uma especulação ou conjectura.
Teoria científica
Consiste em um conjunto de leis, geralmente expressas como equações diferenciais. Essas leis servem de axiomas para a associação entre uma área de estudo e uma estrutura matemática.
Exemplos:
Teoria da Mecânica de Newton (três equações diferenciais)
Teoria Eletromagnética de Maxwell (quatro equações diferenciais)
Teoria Especial da Relatividade (três leis de Newton e mais duas)
Teoria Geral da Relatividade (cinco leis da Relatividade Especial e mais uma equação diferencial tensorial)
Modelo científico
Trata-se da aplicação de uma teoria científica a um caso particular. Por exemplo, podemos utilizar a Teoria Eletromagnética de Maxwell para modelar e construir um circuito eletrônico.
Big Bang
Nome enganoso inventado por Fred Hoyle para ridicularizar a ideia de que o Universo foi criado.
Podemos aplicar a Relatividade Geral ao Universo como um todo, o que resulta em um sistema de equações diferenciais que, combinadas com equações da Termodinâmica, dizem que o tempo teve um início e que o espaço vem se expandindo desde então. Esse sistema de equações é que recebeu o nome enganoso de “Teoria do Big Bang”.
Big Bang é um modelo científico que descreve a expansão do espaço ao longo do tempo. Esse modelo não fala em explosão, nem em origem da matéria, nem em origem e evolução de estrelas, nem galáxias e muito menos vida. Por outro lado, esse modelo fornece informações valiosas que precisam ser levadas em conta por outros modelos, como o de nucleossíntese.
Embora não seja o caso de Peebles, existem muitas pessoas que argumentam contra a “Teoria do Big Bang”. Quando observamos esses protestos, entretanto, vemos que o que essas pessoas combatem é um espantalho, uma versão completamente falsa do que seria o Big Bang.
Se você deseja argumentar contra o Big Bang, evite passar vergonha expondo sua ignorância sobre o assunto. Procure antes se informar sobre o modelo com quem sabe deduzir, usar e interpretar suas equações diferenciais, ao invés de repetir boatos que circulam entre leigos.

Eduardo Lütz
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